Mil loucuras e meia

Se as boas músicas dizem sempre a verdade, então os loucos estão certos e a cidade onde estou é uma atracção para esses loucos.
Há o rapaz que parece ter a mola de um dos lados do pescoço partida. Isso faz com quea cabeça balance continuamente enquanto finge falar ao telemóvel e segura a sua pasta. Esse é um louco alegre e bem disposto, ao qual faço sempre questão de lhe perguntar então Bruno, estás bom. Está sempre bom e não me deixa ir embora sem que eu lhe diga que também estou. Reparei nele mal cheguei à cidade e acabei de me cruzar com ele.
O cobrador de almas é um dos loucos mais convictos que conheço. Não tem horários. Trabalha vinte e quatro horas por dia. Tem apenas um limite espacial e faz o mesmo trajecto repetidamente todos os dias do ano. Caminha sempre com poses ditatoriais e com diálogos sobre bruxas esquecidas que vão voltar. Diz-se que não se deve olhar directamente nos olhos dele porque se fica sem alma. Quem acreditar na alma que tenha cuidado. O outros estão descansados. Por precaução, que usem óculos.
Há também os dois vagabundos. O vagabundo fumador e de fatos do alfaiate feitos à medida. E o vagabundo gordo que não sabe, ou não quer, falar.
As mulheres disfarçam melhor e ficam em casa com os 30 gatos pelintras que lhe roem os móveis mas que compensam com companhia. Só conheço na cidade uma senhora que tem fama de se despir para estranhos no meio da rua. Fazendo assim questão de exibir os caminhos onde ninguém quer ir, desenhados pelas suas rugas.
O rapaz da mola partida fascina-me pela mesma razão que me fascina o vagabundo dos fatos do alfaiate. Cada um deles tem um passado que lhes serve de eufemismo a todos. Fosse a sua nascença, a sua família, o seu trauma, ou o seu autismo.
Cada um deles deve ter histórias diferentes que os levaram a ser loucos e a estarem certos.

Mas se as músicas boas dizem sempre a verdade, então: